O poético mergulho do pequeno Shanenawa
- Andrisson Ferreira
- 25 de fev. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 7 de abr. de 2021

Esse garoto indígena do povo Shanenawa, na aldeia Morada Nova, município de Feijó, me ensinou muito em um simples "tibum". A princípio simples, no entanto, muito mais subjetivo. Apesar de parecer um mero mergulhar, o planejamento e organização pré-rio tem todo um processo, e não é somente cair n'água, tem que estar pronto para as exigências da ação, da submissão ou não-submissão às correntes! Os desafios já iniciam na canoa, é preciso se equilibrar na tábua traseira, vencer o medo, entregar-se à gravidade, entregar-se na incerteza de um salto bem executado.
Um mergulho exige muito mais de nós do que pensamos, é necessário estar ciente de que ao romper das águas barrentas, no corpo que atravessa o espelho líquido, os mistérios podem estar em uma profundidade considerável. O garoto ribeirinho não sabia o que o aguardava ao romper do rio. Um ato de astúcia e coragem. Um grande salto para um pequeno garoto, ou um grande garoto para um pequeno salto?
Nesta descrição do mergulho, é necessário assimilar a envolvente adrenalina, desejo, realização, isto quando o salto é bem executado, se não for, tenta-se outra vez. Jogar-se no rio é muito mais poético do que imaginamos, é se entregar à vida, às águas que tocaram barrancos, e, quando em oportuno momento, descendo em seus percursos, encontraram o menino. Apesar de o salto ser intitulado "mortal", que parece uma coincidente ironia, ele ensina muito sobre a vida.
A natureza resolveu preparar um momento de aprendizado, onde vidas se envolvem, o rio abraça o habilidoso saltador-poeta que nele se jogou. Um salto que, sem papel ou caneta, versou uma poesia com seu corpo, quando se dedicou em singelo ímpeto a lançar-se nas águas barrentas do Envira. Destarte, a vida é subjetiva, filosófica, poética e um mergulho e um rio proporcionam muito mais aprendizados, ensinam muito mais sentidos e perspectivas, por que não dizer, do que um livro de inúmeras páginas.
Outrora, as águas banhadoras do pequeno Shanenawa, que em seu mergulho poetizou as cenas da vida, seguiram rumo a outros cenários. Seguiram seu percurso reunindo centenas de histórias, memórias que, quem sabe nesses novos transcursos, nunca serão registradas assim como nestas fotos.
Das cidades que não veem, da gente que não enxergam, das águas amareladas que circundam as florestas amazônicas, a história se faz como um verdadeiro mergulhar, elucidando os registros outrora pouco importantes. Há de se saltar sem medo no profundo rio das memórias, nas histórias que pouco contam, é necessário enaltecer as pequenas cenas, inclusive a poesia que se tornou o mergulho da pequena criança indígena.
É preciso não ter medo das águas, é preciso não ter medo de se molhar. Seguramente, um bom ou um mal mergulho sempre renderá um aprendizado oportuno.

Fotos registradas às margens do Rio Envira, no município de Feijó. Ano de 2020. Fotógrafo: Andrisson Ferreira.

Texto maravilhoso. Fiquei muito feliz ao ler cada parágrafo valorizou cada momento vivenciado pelo garoto visibilisando a sua existência, natureza o lugar onde vive. Parabéns!
O poético mergulho "profundo" do pequeno Shanenawa!
rio profundo, como a profundeza das imagens e da escrita!
Texto poderoso, imagem igualmente sensacional!!
Nossa! Um mergulho profundo a partir desta linda criança indígena! Um menino lindo que ficou maravilhado ao nos ver valorizar e demarcar a importância de seu nome tradicional na língua de seu povo!
Que menino, que mergulho e que texto apaixonantes!!!