Inquietações da alma - O Tempo
- Rayra Torquato
- 24 de abr. de 2021
- 4 min de leitura

Fotografia: Rayra Torquato
Todo ano novo fazemos novas promessas, novos planos, desejamos mudanças, evolução, crescimento. Acreditamos que o fato de se iniciar um novo calendário acarretará um novo ciclo em nossas vidas - novas esperanças, novos sonhos, novos planos. É uma nova oportunidade de se alcançar aquilo que almejamos. Concebemos friamente a ideia de que esse novo ciclo nos fará ter êxito diante da lista imensa de sonhos e desejos que elaboramos, na última semana do ano ou do ciclo que se finalizou.
Quando paro pra pensar naqueles planos feitos na última semana de 2019, percebo que eu nem sequer consigo recordar o que planejei, quais sonhos tinha e o que consegui cumprir desde então. A verdade é que 2020 chegou e mal nos deu tempo de sonhar com planos e desejos pessoais. Pouco após o seu início, a pandemia nos atingiu como um tapa quente, estalando em nossos rostos, e nos vimos sendo pegos totalmente de surpresa e totalmente desprevenidos para o que viria ocorrer.
Aos poucos o que parecia passageiro foi se tornando real aos nossos olhos. O isolamento social, as mortes repentinas, a contaminação pelo vírus da Covid-19, ocorrendo de forma rápida e contínua, mostrando-nos que 2020 não era um ano para se fazer planos, mas sim um ano para sobreviver!
Se tem uma coisa que finalmente aprendi com essa pandemia é que não adianta nos prendermos em planos para o futuro. Planejar, planejar e planejar! Definir milimetricamente o tempo que você terá disponível para cumprir cada meta, cada objetivo, cada sonho... Infelizmente foi apanhando que finalmente percebi que faço parte de uma geração doente, preocupada demais com o futuro e que esquece de viver o próprio presente. Tanta preocupação, tanta cobrança, tanto receio do que vai acontecer e do que pode ou não acontecer está nos transformando em jovens ansiosos, deprimidos e cansados. Não falo nem de cansaço físico, mas sim do desgaste mental e emocional, decorrente do fato de que estamos 24 horas por dia e 7 dias por semana preocupando-nos com o futuro.
Ah, o futuro! O que é o futuro? Quem nos ensinou a pensar nele? Não quero torná-lo um vilão, muito pelo contrário. Todas as decorrências negativas relacionada ao futuro é fruto e responsabilidade exclusiva do ser humano. O tempo sempre existiu, o que se criou foi a ideia de tempo passado, tempo presente e tempo futuro.
Mas, quando foi que o futuro se tornou tão mais importante do que o passado e o presente? Se as respostas para o futuro estão no passado e nossa vida corre continuamente no presente, por que perdemos tanto tempo pensando nele? O futuro.
Enquanto você está aí pensando no que pode ou não acontecer no futuro, vendo a sua própria vida como um jogo de xadrez, no qual o movimento de uma única peça pode mudar tudo e definir o resultado final do seu jogo, a vida acontece lá fora.
Agora pare pra pensar e seja sincero, pensar e planejar tanto tem de fato ajudado em alguma coisa? Ou só te tornou mais ansioso, temeroso, inseguro sobre suas próprias habilidades e capacidades de conseguir alcançar seus sonhos?
Não quero que pensem que estou generalizando. É perfeitamente possível estabelecer metas e objetivos a serem seguidos e concluídos em nossas vidas e ter êxito nesse processo. O que estou tentando expor aqui é o fato de que ao nos prendermos a essas metas e a esse controle, tornamo-nos dependentes dos mesmos. Passamos a ver nosso dia simplesmente como um conjunto de afazeres e metas a serem cumpridas dentro do limite temporal estabelecido por outrem ou por nós mesmos.
Planejamos não só nosso dia, mas nossa semana, nosso mês, nosso ano, nossos próximos 5 ou 10 anos, e a partir do momento em que algo que está fora do nosso controle quebra esse planejamento, nos encontramos em um estado de completa frustração. Tentamos remendar o calendário planejado, porém isso torna-se impossível por motivos que vão além do nosso querer e assim passamos a ter a sensação de que ficaremos atrasados. Mas atrasados para quê? Para vivermos nossas próprias vidas? Elas continuam fluindo e o fato de não termos controle total sobre elas e sobre o que vai acontecer ou quando irá acontecer, não nos impede de simplesmente vivê-las.
Para muitos a pandemia foi responsável por despedaçar os seus planos, metas e objetivos traçados, para ocorrer durante 2020, 2021, 2022... Assim pensei ao ver tantos planos pré-estabelecidos sendo destroçados como consequência das medidas que foram adotadas, para que possamos passar por essa pandemia. Por um bom tempo me senti perdida, angustiada, frustrada.... Mas percebi que todos esses sentimentos são frutos meus, fui eu quem permiti que eles emanassem e dominassem o meu ser. Isso ocorreu por eu ter a falsa ideia de que tenho controle sobre o tempo, o meu tempo. O tempo não é controlável, ele é livre, fluído e fugaz.
Antes que me acusem de produzir um texto motivacional, quero deixar claro que em nenhum momento procuro concluí-lo com soluções abstratas e belas. Meu único objetivo aqui é conversar, com você leitor, sobre o que você provavelmente já sabe, porque assim como eu, viveu e está vivendo essa pandemia. O que quero é simplesmente compartilhar vivências, experiências, sensações e sentimentos.
Permita-se sentir, permita-se parar. Simplesmente parar e viver o agora, este exato momento, por 10, 15, 30 minutos, não sei, mas você sabe de quanto precisa, seu corpo sabe, então deixe que ele te diga e simplesmente contemple esse momento, esse tempo, esse agora, esse presente, essa história:
Estamos sós e nenhum de nós
Sabe exatamente onde vai parar
Mas não precisamos saber pra onde vamos
Nós só precisamos ir
Não queremos ter o que não temos
Nós só queremos viver
Sem motivos, nem objetivos
Estamos vivos e isso é tudo
É sobretudo a lei da infinita highway.
(Engenheiros do Hawaii. Infinita highway. 1987)
Texto maravilhoso, Rayara!!! Sensibilidade, criticidade, ousadia! Sigamos na reinvenção de si, do mundo, do tempo! <3
Rayra! que texto hein!?
Desperta-nos um misto de sentimentos...
Cada palavra, cada frase, cada período, cada parágrafo remete-nos a vários momentos de reflexão.
"o tempo não é controlável (como na ficção, muitos querem controlá-lo, ledo engano)!!! ele é livre, fluido e fugaz".
apaixonante!!!!💓
O presente nós dando a real dimensão do que venha a ser importante nessa passagem pela vida aqui na terra. Parabéns Rayra: é que todos comecem a abrir e viver seus presentes da melhor forma possível! (Savnes)
Lindo escrito, querida Rayra! Nós somos tão educados (as) nessa perspectiva capitalista de uso do tempo que não nos atentamos para tudo o que você trouxe em seu texto. Em 2008, eu ganhei um precioso livro do meu querido professor doutor Manoel Severo. O livro de Epicuro "Carta a Meneceu (Sobre a Felicidade)". Esse é um dos trechos que gosto: "... É necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e sem ela, tudo fazemos para alcançá-la... Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos desesperarmos co…
Me fogem as palavras para agradecer por tamanha preciosidade que está esse texto, Rayra! Realmente, o tempo não é controlável por nós tão meros mortais. A gente corre tanto pra cansar tão rápido de diversas formas, quando cansamos é no estresse, na depressão, na insônia, na ansiedade. O tempo, um campo de estudo da História, não tem a nós como seus donos.