CONSUMO: direitos, desejos e quereres
- Rayra Torquato
- 15 de mar. de 2021
- 4 min de leitura
As chances de você ter se deparado no decorrer dos últimos dias com publicidades relativas à "Semana do consumidor" ou "Dia do consumidor" são bem altas. Isso porque hoje, dia 15 de março, comemora-se o Dia Internacional do Consumidor. Mas, o que as lojas não te contam é que o dia do consumidor não surgiu como uma forma de parabenizá-lo e assim incentivá-lo a consumir, mas sim para nos lembrar da conquista e fixação de seus direitos.
A data foi escolhida em razão do discurso do presidente estadunidense John Fitzgerald Kennedy, no dia 15 de março de 1962, no qual ele elencou os seguintes direitos do consumidor:
1. O direito à segurança - a ser protegido contra a comercialização de produtos que são prejudiciais à saúde ou à vida.
2. O direito de ser informado - para ser protegido contra qualquer informação fraudulenta, enganosa, ou gravemente enganosa, publicidade, rotulagem, ou outras práticas, e para serem dados os factos que ele precisa para fazer uma escolha informada.
3. O direito de escolher - de ser assegurada, sempre que possível, o acesso a uma variedade de produtos e serviços a preços competitivos e nas indústrias em que a concorrência não é viável a regulação do Governo permita uma garantia de qualidade satisfatória e serviço a preços justos.
4. O direito de ser ouvido - para ter a certeza de que os interesses dos consumidores receberão a devida atenção na formulação da política do Governo, e um tratamento justo e célere nos tribunais administrativos (KENNEDY, 1962).
No Brasil, o código que regula as relações de consumo (Lei 8.078) foi elaborado em 1990, passando a vigorar no dia 11 de março de 1991 e trouxe em seu texto a proteção do consumidor como parte mais fraca da relação de consumo. E assim como no discurso citado acima garante o direito a segurança, devendo o fabricante ou fornecedor ser responsabilizado por danos que podem ser causados caso o bem ou produto seja inseguro; o direito a ter acesso a todas as informações relativas ao produto - modo de usar, composição, possíveis riscos do seu uso, forma de armazenamento e entre outras e direito de se defender em juízo.
Falar sobre consumo na sociedade em que vivemos é de extrema importância, uma vez que assim como os direitos e garantias individuais e direitos sociais (como liberdade, privacidade, direito a educação, moradia, saúde e entre outros) nos rodeiam a todo momento, nós consumimos todos os dias, o que faz com que pratiquemos o papel de consumidor diariamente. Logo a possibilidade de que em algum momento de nossas vidas tenhamos algum direito como consumidor violado é extremamente alta.
Desde a simples compra no mercadinho perto de casa até a compra de bens de alto valor como celular, carro ou geladeira - todas são relações obrigacionais formadas entre um consumidor, que adquire a obrigação de pagar por um bem ou serviço e pelo fornecedor, que através do recebimento de pagamento de determinada quantia adquire a obrigação de fornecer o bem ou serviço, estabelecido nessa relação, dentro dos padrões de qualidade e de segurança esperados.
Mas nem sempre é assim que acontece. E pelo fato de o consumidor estar em uma posição de claro desequilíbrio de conhecimento técnico, jurídico/científico, socioeconômico e informacional o Código de Defesa do Consumidor brasileiro - CDC reconheceu a sua vulnerabilidade no mercado de consumo, sendo ele portanto a parte mais frágil dessa relação. E é justamente em decorrência dessa vulnerabilidade que o legislador elaborou o CDC como forma de garantir os direitos de quem compra bens/serviços diante de defeitos, vícios de qualidade ou de quantidade, cláusulas exorbitantes e práticas abusivas que possam ser realizadas pelo fornecedor ou fabricante do bem ou serviço.
Saindo da esfera de direitos, outro ponto a ser debatido no dia de hoje é em relação as práticas de publicidade e técnicas de persuasão utilizadas no meio de consumo para que você consumidor continue consumindo cada vez mais ao ponto de se encontrar viciado nesse ato.
Zygmunt Bauman (2001), em sua obra Modernidade Líquida, ao tratar sobre a sociedade de consumo alega que a prática de comprar que tinha anteriormente como justificativa a satisfação das necessidades passou a ser realizada em razão do desejo e do querer.
O desejo, explica Bauman, por ter a si mesmo como objeto constante acaba por permanecer sendo insaciável. Mas ao contrário das necessidades, que pela simples existência pressupõe a realização dos atos de consumo (compras), os desejos devem ser despertados, estimulados e é por meio de campanhas de marketing e publicidade que as empresas conseguem despertar esses desejos e produzir novos consumidores dispostos a adquirir seus produtos.
Mas assim como as necessidades foram substituídas pelos desejos, o desejo também encontrou seu sucessor - o querer. Mais poderoso do que o próprio desejo é o querer, pois é por meio do querer que justificamos a realização de compras impulsivas, espontâneas e casuais. Ao contrário do desejo que tem de ser despertado e por vezes está relacionado a vaidade, comparação com o outro podendo chegar ao ponto de se tornar inveja, o querer pode ocorrer em um piscar de olhos, em um simples momento em que você decide que quer aquilo e que possuir aquilo vai lhe fazer bem.
Que nesse 15 de março, você leitor e consumidor, possa refletir acerca de suas práticas de consumo e perceber como elas podem realizar interferências em nossa vida. Além disso, antes de consumir procure se perguntar: Porque eu estou desejando adquirir este bem/serviço? Existe a possibilidade de esse desejo ter surgido em decorrência de alguma campanha de publicidade? Eu realmente preciso disso? Ou estou apenas sendo influenciado pela sociedade de consumo a consumir de forma contínua e desenfreada por meio dos meus desejos e quereres?
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. 1. ed. São Paulo: Zahar, 2001, 280 p.
BRASIL. Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm> Acesso em 14 mar 2021.
Mensagem especial ao congresso sobre a proteção do interesse do consumidor, 15 de março de 1962. Disponível em: <https://www.jfklibrary.org/asset-viewer/archives/JFKPOF/037/JFKPOF-037-028> Acesso em: 14 mar 2021.
O texto tem tudo a ver com o momento que vive a sociedade atual. Sempre é bom refletirmos sobre nossas escolhas.
Texto de extrema importância para percebermos o quanto somos coagidos nessa modernidade líquida. O mercado é um grande vilão quando busca ludibriar e retirar direitos de seus consumidores. O ser humano necessita deixar de ser visto como uma máquina de comprar, fatores que invisibilizam sua humanidade.
Texto extremamente importante e repleto de conhecimento, nos faz ainda pensar no consumo sem sua máscara, mostrando o objetivo real por traz de todo marketing.